Opinião: “A contabilidade na luta contra a lavagem de dinheiro”
Enory Luiz Spinelli
A origem do termo “lavagem de dinheiro” faz referência histórica ao gângster norte-americano Al Capone. Em 1928, ele comprou uma rede de lavanderias em Chicago, que, na verdade, servia de fachada para legalizar dinheiro originário de uma série de atividades ilegais, como prostituição, extorsão e comércio de bebidas alcoólicas no período de Lei Seca. Hoje, a situação não é muito diferente. Pelo contrário. Amparada pelos avanços tecnológicos, a lavagem de dinheiro tornou-se um problema mundial, assombrando o desenvolvimento social e econômico da maioria dos países e financiando a corrupção em larga escala, bem como diversas atividades criminosas, incluindo tráfico de drogas e terrorismo.
Para combater esse mal, a globalização econômica trouxe a lavagem de dinheiro para a pauta das discussões transnacionais. No Brasil, a edição da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, tornou-se um marco na luta contra lucros ilícitos. Baseada nos princípios da Convenção de Viena de 1988, a legislação dispõe de medidas para tipificar como crime a lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. A mesma lei criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que tem como finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas relacionadas à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
Promovendo, também, a cooperação e o intercâmbio de informações entre os setores público e privado. Com o objetivo de ampliar esse combate, foi editada no Brasil a Lei nº 12.683, em 9 de julho de 2012, complementando, de forma relevante, a Lei nº 9.613/98. Na ocasião, foram inseridos os profissionais e organizações contábeis no rol daqueles que devem prestar informações sobre operações suspeitas de crimes de lavagem de dinheiro e de outros ilícitos previstos na referida lei. Tal alteração mostra que o assunto não é uma novidade ou um modismo criado no Brasil, e, sim, uma medida que faz parte do contexto mundial na luta para coibir as mais diversas atividades criminosas arraigadas na economia. Assim, restou ao Conselho Federal de Contabilidade (CFC), órgão regulador da profissão, cumprir o mandamento legal e regulamentar, por meio da Resolução CFC nº 1.445/13, a aplicação dos dispositivos da lei por parte dos profissionais e organizações contábeis. Ora, é possível, então, notar-se que essa nova responsabilidade dos profissionais da área contábil não foi criada pelo CFC e que o conselho, tampouco acatou “de forma catequizada” as disposições legais ao regulamentar a medida. Inclusive, o conselho foi interpelado pelo Ministério Público Federal quanto ao cumprimento da regulamentação da lei. Ou seja, a resolução trata do cumprimento de uma lei federal.
Uma forma de proteger a utilização indevida da figura do contador para atos ilícitos que lhe possam gerar sanções penais, além do risco de condicionar a imagem do profissional a organizações criminosas. É importante esclarecer que o contador, assim como as organizações contábeis, não são investigadores ou denunciantes das operações realizadas por seus clientes. O seu papel é apenas informar possíveis operações ilícitas ao Coaf. Lembrando, também, que o sigilo profissional, previsto no código de ética, ampara “sigilo, zelo, diligência e honestidade” quanto ao exercício da atividade lícita, e não nos casos ilícitos, como, por exemplo, a lavagem de dinheiro.
Portanto, o profissional está cumprindo o seu dever ao comunicar um ato indevido. É preciso ficar claro que a Resolução CFC nº 1.445/13 conseguiu transformar a Lei nº 12.683/12 num instrumento de valorização profissional. A norma não traz qualquer prejuízo ao contador que possui uma conduta correta e exerce sua profissão com respeito, responsabilidade e ética. Lembre-se: a lavagem de dinheiro pode manchar a reputação, a confiabilidade dos serviços e a credibilidade profissional.
Enory Luiz Spinelli é vice-presidente de Desenvolvimento Operacional do CFC