Artigo: Capital, manutenção de capital e lucro na estrutura conceitual do IASB

Por Antonio Dias Pereira Filho*
A estrutura conceitual para elaboração e divulgação de demonstrações contábeis, aprovada pela Resolução CFC nº 1374/11 e Deliberação CVM nº 675/11, apresenta, consoante a The Conceptual Framework do IASB, os conceitos de capital e de manutenção de capital e, por conseguinte, as bases para a determinação do lucro. Analisar esses conceitos é fundamental para melhor identificar e compreender o retorno sobre o capital.
O capital de uma entidade pode ser definido como financeiro (monetário) ou físico (operacional). O capital financeiro refere-se ao investimento realizado, ou seja, ao dinheiro colocado no negócio. É o ativo líquido ou patrimônio líquido. O capital físico, por sua vez, diz respeito à capacidade produtiva ou operacional da entidade. Ambos os conceitos são funcionais. A escolha entre um ou outro depende, fundamentalmente, dos interesses e necessidades dos usuários das demonstrações contábeis e, uma vez realizada, determina o capital a ser mantido pela entidade e a forma de mensuração do lucro. A visão dominante no âmbito das normas internacionais de contabilidade repousa sobre o conceito de manutenção do capital financeiro nominal. O exemplo a seguir busca, de maneira simplificada, operacionalizar e analisar os referidos conceitos.
Considere uma pequena entidade cujo negócio é comercializar motocicletas. No primeiro ano, ela realiza apenas uma operação, ou seja, adquire uma motocicleta por R$5.000,00 e a revende por R$9.000,00. No momento da venda, o preço de compra de uma motocicleta equivale a R$6.000,00. Entre a compra e a venda foi calculada uma taxa de inflação (índice geral de preços) de 10%. A partir desses dados, procura-se mostrar como se opera a manutenção do capital segundo os conceitos sobreditos e como o lucro é determinado.
Itens |
Conceitos de manutenção de capital |
||
Capital financeiro |
Capital físico (operacional) |
||
Monetário (nominal) |
Poder aquisitivo geral |
||
Receita de venda |
9.000,00 |
9.000,00 |
9.000,00 |
Custo da venda |
(5.000,00) |
(5.000,00) |
(6.000,00) |
Lucro operacional |
4.000,00 |
4.000,00 |
3.000,00 |
Ajuste inflacionário do capital de origem |
– |
(500,00) |
– |
Lucro do período |
4.000,00 |
3.500,00 |
3.000,00 |
Fonte: Adaptado de Kothari e Barone (2011) e Lefrancq (2011)
Segundo o conceito de capital financeiro, a sua manutenção pode ser realizada sob duas perspectivas: em termos nominais e de poder aquisitivo constante. Sob a primeira perspectiva, o montante obtido com a venda da motocicleta é assim repartido: os primeiros R$5.000,00 destinam-se à reconstituição do capital financeiro original (valor inicialmente investido na compra da motocicleta) e os R$4.000,00 restantes correspondem ao lucro do período. Sob a segunda perspectiva, são necessários R$5.500,00 para reconstituir o capital inicial e preservar o seu poder de compra geral. O excedente da venda em relação a este valor produz um lucro de R$3.500,00.
No que tange à manutenção do capital físico, esta requer o emprego do custo corrente ou de reposição. Assim, como identificado no quadro acima, a entidade precisaria de R$6.000,00 (custo de reposição da motocicleta) para reconstituir sua capacidade operacional ou de venda. Nesse caso, o lucro é de R$3.000,00, correspondendo à diferença entre a receita de venda e o custo de reposição da mercadoria vendida.
Como visto, os conceitos de capital e de manutenção de capital são fundamentais para a determinação do lucro, bem como para a distinção entre recuperação do capital e retorno sobre o capital. O exemplo examinado mostra claramente que o lucro e, portanto, o retorno sobre o capital somente é alcançado após ter sido assegurada a reconstituição do capital conforme o conceito adotado.
Os conceitos de capital e de manutenção de capital possuem manifestações claras na cultura contábil nacional. A utilização do custo histórico, ainda com forte presença no padrão contábil contemporâneo, é uma decorrência do conceito de capital financeiro nominal. Entre 1978 e 1995, vigorou no país o modelo de correção monetária das demonstrações contábeis. Quanto ao emprego do custo corrente, a referência é a reavaliação de ativos imobilizados que, como tal, foi extinta pela Lei nº 11.638/07. Contudo, é importante registrar que essa reavaliação não implicava em manutenção do capital físico ou operacional.
Por fim, cabe destacar que a escolha criteriosa e fundamentada do conceito de manutenção de capital e das bases de mensuração dos elementos (custo histórico, custo corrente, valor realizável e valor presente) alicerça e demarca o modelo contábil a ser utilizado na preparação das demonstrações contábeis.
Antonio Dias Pereira Filho é contador inscrito no CRC-MG e doutor em Administração pela Université de Grenoble 2. É autor do livro Structure du capital, dynamisme environnemental et performance: une articulation entre la finance et la stratégie, publicado pela Les Éditions du Panthéon, Paris, 2012.